Thursday, October 12, 2023

MEMÓRIAS DE GUINÉ BISSAU 


Bijagós. O arquipélago, composto por oitenta e oito ilhas, encontra-se povoado por divindades e espíritos ancestrais. Em certas ilhas, como Rubane,  é interdito derramar sangue no chão ou enterrar cadáveres, humanos ou outros.  

Árvores colossais emergem da selva onde proliferam pequenas cobras fatais e hostis jibóias, mas também gafanhotos multicoloridos ou rãs de meio metro. 

Ademais macacos, hipopótamos, crocodilos, aves pernaltas, tartarugas marinhas e lontras por lá comperecem.

ano 2020 

Partimos do porto de Bissau depois das 15h.


A lancha rápida que nos transportaria até Punta Achaca, o nosso destino, enchia, pelo que fomos informados, aos 6 passageiros adultos. 

Dois tardavam em comparecer e o condutor não se encontrava muito motivado para alevantar a âncora sem a embarcação completa.

Dado o impasse encetamos uma pequeno motim e a partida não se delongou muito. 


Prosseguimos pelo vasto canal de Gêba. 


Percorridas umas quantas milhas, avistámos um marco, que os portugueses ergueram indicando as direcções das principais ilhas do arquipélago dos Bijagós. 

O barco atravessa o mar em pequenos saltos embatendo na água, que resistia, espalhando centenas de pingos frescos nas nossas faces.


Pelo caminho fomos distinguindo as ilhas de Maio, Formosa,  Bolama, Galinhas. Quando nos aproximamos, as ilhas traziam-nos odores frescos de quietude. 


Aportámos ao fim de uma hora e meia na praia paradisíaca de Rubane, abeirada de Bubaque. Desencalhamos num areal desocupado e magnífico.


Fomos muito bem recebidos, com uma simpatia que se prolongou até o término da estadia. Assim como ficámos bastante bem instalados. Acolheu-nos uma casa espaçosa de madeiras  e cana, com uma aprazível simplicidade, que aspirava, com sucesso, metamorfosear-se com a paisagem.


O mar, o vasto areal, a emérita variação de arvoredo. Assim como a quantidade de aves, especialmente os falcões, que voavam rente a nós para de imediato se encontrarem junto às palmeiras altivas aparecendo e desaparecendo entre as folhagens, emprestam à ilha uma sensação vestal.


Mas quanto mais virgens e edénicos os mares se querem, mais traquinas se apresentam para lesar um belo fim-de-semana.

Desta feita foi sob a forma de um peixe-aranha ou, talvez, uma raia.


Nadávamos eu, o G e a M, a uma longa distância do centro populacional, que compreendia uma vintena de pessoas, a cerca de 2 quilómetros.


Enquanto flutuávamos, boiávamos ou esboçávamos algumas braçadas animadas, um inconveniente grito lancinante privou-nos da reinação. De um lado achava-se a M, do outro encontravamo-nos eu o G. A meio, uma senhora que se dera ao mar, bradava horrores. Anúncios de algo grave.


Precipitámos-nos sobre ela. Ao chegar deparámos com a impossibilidade de a levantar, embora se encontrasse nas primeira linhas das ondas, o peso da senhora era muito considerável. 

Acrescentava à dificuldade o corte que o animal forjou na planta do pé, que a impedia de o assentar. 

O volume e peso, acrescido da ondulação marítima só contribuíam para o desequilíbrio.  

Como a senhora teimava em querer desfalecer a atrapalhação era considerável.


Conseguimos, ainda assim, mantê-la semi-levantada até que o marido surgisse. 

As dores deveriam ser verdadeiramente fortes pois a agonia já era proclamada ao Altíssimo. Compareceu, por fim, o Barmen-Dançarino-Bijagó-Enfermeiro que, com uma seringa-ampola retirou o veneno oferecendo-lhe o alívio Divino.


A senhora e o marido agradeciam repetidamente. O que não se me afigura muito correto.

E quanto mais o faziam mais me parecia que deveria ser o inverso. 

Tendo em conta que a senhora teve a fineza de ser picada e, com isso, nos ter alertado para a existência de tais alimárias naquelas calmas águas, seria da nossa obrigação regraciá-lá, pois retirámo-nos das águas de imediato. Incólumes.


Em suma o fim de semana correu lindamente. Até nos foi oferecida a oportunidade da prática de uma boa ação, o que fica sempre bem.

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E SE UM DIA NO PORTO # dragão